Transcrição O Sistema de Alarme Interno e Respostas de Sobrevivência
Neurobiologia das respostas de luta, fuga e paralisia
Perante uma ameaça iminente à integridade física ou sexual, o organismo humano ativa mecanismos biológicos primitivos que operam à margem da vontade consciente. Este «sistema de alarme interno» avalia a ameaça em milésimos de segundo.
Se o confronto (luta) ou a evasão (fuga) forem viáveis, o sistema nervoso simpático inunda o corpo de energia.
No entanto, em contextos de abuso sexual ou situações de cativeiro em que a resistência é fútil ou perigosa, o cérebro opta pela resposta de congelamento ou imobilização tónica.
Essa reação é análoga à estratégia de tanatose observada na natureza, em que uma presa finge estar morta para inibir o instinto predatório do agressor.
Clinicamente, isso significa que, embora a vítima pareça passiva ou complacente externamente, internamente o seu sistema está saturado de hormonas do stress (cortisol, adrenalina) que não puderam ser descarregadas através da ação motora.
Compreender que essa paralisia não é uma «escolha» covarde, mas um imperativo biológico de sobrevivência, é fundamental para desmantelar a culpa no sobrevivente.
Hipervigilância e hiperexcitação do sistema nervoso autónomo
Quando a energia mobilizada para a defesa não se dissipa, ela fica presa na fisiologia do indivíduo, resultando num estado crónico de desregulação autonómica.
O sobrevivente permanece numa "zona de guerra" neurológica muito tempo depois de o evento ter terminado.
Isto manifesta-se como hipervigilância: uma varredura ambiental constante e exaustiva em busca de ameaças potenciais, semelhante a um sistema de radar militar que nunca se desliga. Este estado de hiperexcitação (hyperarousal) altera a homeostase básica.
O limiar de reação é drasticamente reduzido, provocando respostas exageradas de sobressalto a estímulos neutros (um ruído forte, um movimento brusco).
Fisiologicamente, o corpo age como se o abuso estivesse a ocorrer no presente, mantendo níveis tóxicos de ativação cardiovascular e endócrina que eventualmente levam à exaustão sistémica e à disfunção celular.
Gestão de intrusões mnemónicas e ataques de pânico
A memória traumática não é codificada como uma narrativa linear (história com início e fim), mas como fragmentos sensoriais dispersos.
Isso dá origem a flashbacks ou reexperiências, em que o indivíduo não apenas "lembra" do evento, mas o revive somaticamente com a mesma intensidade emocional e física original.
Essas intrusões podem desencadear ataques de pânico graves, caracterizados por uma sensação iminente de morte ou perda de controlo.
O pânico é a manifestação aguda do sistema de alarme disparando erroneamente em um ambiente seguro.
É crucial diferenciar entre uma memória autobiográfica padrão e uma memória traumática intrusiva; esta última é uma falha na integração temporal do cérebro.
O indivíduo fica preso num «presente eterno» de terror, incapaz de aceder aos sinais de segurança atuais, o que requer intervenções específicas para reorientar a consciência para o «aqui e agora».
Resumo
Perante ameaças inevitáveis, como o abuso sexual, o cérebro ativa respostas automáticas de congelamento ou imobilização tónica. Esta paralisia não é covardia, mas um imperativo biológico de sobrevivência, em que o sistema fica saturado de hormonas de stress sem poder descarregá-las fisicamente.
A energia retida gera uma desregulação autonómica crónica, mantendo o sobrevivente numa «zona de guerra» neurológica. Esta hipervigilância reduz o limiar de reação, provocando sobressaltos exagerados perante estímulos neutros e um esgotamento sistémico devido à ativação cardiovascular permanente.
A memória traumática é armazenada de forma fragmentada, provocando flashbacks onde o evento é revivido somaticamente com a intensidade original. O pânico resultante prende o indivíduo num eterno presente de terror, desconectando-o da segurança atual por uma falha de integração temporal.
o sistema de alarme interno e respostas de sobrevivencia