Transcrição Compreensão do Trauma a partir da Perspectiva Clínica
Distinções entre Stress Traumático Primário e Secundário
No âmbito da psicoterapia clínica focada no abuso sexual e narcisista, é imperativo estabelecer uma diferenciação nosológica clara entre as afeções que a vítima experimenta e as que o profissional responsável pelo tratamento pode desenvolver.
O stress traumático primário (PTS) refere-se à sintomatologia direta derivada de ter vivido uma experiência de ameaça vital ou à integridade, que é a carga clínica do paciente.
Em contraste, o Estresse Traumático Secundário (ETS) ou traumatização vicária é a resposta emocional e fisiológica que surge no terapeuta como consequência da exposição repetida e empática aos relatos gráficos de trauma de seus clientes. O terapeuta atua como um recipiente psíquico para a dor alheia.
Se visualizarmos o conselheiro como um filtro de água que retém sedimentos tóxicos para purificar o líquido, o STS representa o acúmulo desses sedimentos que eventualmente obstruem a capacidade de filtragem.
Esta condição não é um sinal de incompetência, mas um risco ocupacional inerente à prática da empatia profunda necessária para a aliança terapêutica em casos de desumanização grave.
Impacto emocional e existencial no terapeuta
A imersão constante em narrativas de crueldade humana, como as presentes no abuso sexual organizado ou no sadismo narcisista, pode corroer a cosmovisão do profissional.
Clinicamente, isso se manifesta em uma tríade de reações: raiva, descrença e uma sensação avassaladora de impotência.
O conselheiro pode começar a questionar a natureza humana ou perder a fé nos sistemas de justiça e proteção social, um fenómeno conhecido como desesperança vicária aprendida.
Historicamente, isso ressoa com a experiência dos médicos nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, que, embora não combatessem, desenvolviam neurose de guerra pela mera observação do sofrimento incessante.
Na prática moderna, o terapeuta pode sentir-se como Sísifo, empurrando a rocha da cura apenas para vê-la cair diante da magnitude do mal sistémico que o cliente enfrenta.
Essas respostas emocionais intensas devem ser rigorosamente monitoradas, pois podem levar a um envolvimento excessivo (complexo de salvador) ou a uma desconexão defensiva, ambos prejudiciais ao processo terapêutico.
Prevenção da síndrome de burnout e fadiga por compaixão
O esgotamento profissional ou Burnout, neste contexto, não surge simplesmente pelo excesso de trabalho administrativo, mas pela exigência emocional de suportar o trauma alheio. A prevenção requer uma auditoria interna constante.
O profissional deve questionar-se sobre o seu estado: existe uma sensação persistente de esgotamento físico ou emocional? Diminuiu a capacidade de sentir simpatia por aqueles que legitimamente a merecem?
O aparecimento de cinismo, irritabilidade em relação aos colegas ou a sensação de que os esforços terapêuticos são fúteis são indicadores prodrômicos de colapso.
É fundamental avaliar se existe uma discrepância entre a pressão para «curar» e os resultados realistas que podem ser obtidos em casos de trauma complexo.
Assim como um atleta de alto rendimento monitora os seus sinais vitais para evitar lesões, o terapeuta deve refletir se se sente isolado no seu papel ou se está a sacrificar o seu bem-estar pessoal em nome de um perfeccionismo profissional inatingível.
Resumo
É fundamental distinguir entre o stress traumático primário do paciente e o secundário do terapeuta, que absorve sedimentos tóxicos ao agir como recipiente psíquico. Essa traumatização vicária é um risco ocupacional inerente à profunda empatia necessária na terapia.
A imersão constante em relatos de crueldade corrói a cosmovisão do profissional, gerando raiva, descrença e uma sensação de impotência ou desesperança aprendida. O terapeuta pode sentir-se oprimido ao observar o sofrimento incessante, o que requer um monitoramento rigoroso para evitar o envolvimento excessivo.
Prevenir o esgotamento exige uma auditoria interna constante para detectar drenagem energética, cinismo ou irritabilidade em relação ao ambiente. O profissional deve avaliar se está a sacrificar o seu bem-estar por um perfeccionismo inatingível, ajustando as suas expectativas de cura a resultados realistas para evitar o colapso.
compreensao do trauma a partir da perspectiva clinica